Cristina Nora Calcagnotto
Primeira lamparina fabricada por Abramo Eberle em sua funilaria.
Foto: Acervo Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami
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Esta é uma história que iniciou em 1997 e que teve uma movimentação tímida por quase dez anos, na dúvida sobre realizar ou não o tombamento da Metalúrgica Eberle.
Depois de
seis anos de seu tombamento, há sinais de ações que podem desencadear uma nova fase, com a revitalização do prédio e sua utilização para novas atividades e melhor aproveitamento para a preservação deste patrimônio material e imaterial de Caxias do Sul.
O pedido de tombamento surgiu do poder legislativo, por sugestão do vereador Francisco Spiandorello, em 1997. Em 1998, o COMPHAC (Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural de Caxias do Sul), no uso de suas atribuições, emitiu o parecer encaminhando sugestão favorável ao tombamento ao Prefeito Municipal, o que não aconteceu. Em 2 de julho de 2003, o COMPHAC retomou o processo e se manifestou dizendo que a iniciativa tinha que ser do executivo, encaminhando novamente ao Senhor Prefeito. Neste momento, o tombamento também não ocorreu.
Em 27 de julho de 2005, o então Secretário da Cultura e presidente da
Comissão Específica e Permanente para Proteção do Patrimônio Histórico e
Cultural José Clemente Pozenato, retomou o assunto e reabriu o processo para que fosse efetivado o tombamento do prédio da Metalúrgica Abamo Eberle, porém, o INSS, que tinha penhorado o prédio, manifestou-se contrário ao tombamento alegando prejuízo no valor do imóvel e a não competência do município em afetar bens do estado ou da união.
Somente em 06 de janeiro de 2006, é declarado definitivamente tombado o prédio de propriedade de Monte Magré S/A, pelos seguintes motivos: representação do real significado do processo de industrialização identificando a comunidade caxiense em âmbito regional, estadual, nacional e internacional; localização no contexto urbano como referência de um processo histórico; representação
da imagem simbólica que se pretende preservar dos complexos industriais da cidade; a casinha e o relógio da Eberle como elementos indissociáveis da metalúrgica; popularização do conceito do seu significado; e representação do perfil histórico cultural de Caxias do Sul, como um povo que pensa em trabalho.
Vindos de grandes levas de imigrantes, no final do século XIX, os Eberle partiram de Monte Magré, Vicenza, Itália, em 1884, para dedicarem-se à agricultura na Colônia de Caxias. Porém,
como não desejavam depender somente da terra, adquiriram em 1886, de Francisco Rossi, uma pequena funilaria que passou a ser conduzida pela matriarca da família, Luigia Eberle. No pequeno prédio de madeira (cuja réplica encontra-se hoje no alto do prédio principal), localizado a poucos metros da praça Dante Alighieri, a senhora Luigia forjou sua identidade como Gigia Bandera (Luiza Funileira) e ensinou Abramo Eberle o ofício de bander.
Dez anos após, em 1896, Abramo, segundo dos filhos de Giuseppe e Luigia, adquiriu da família a funilaria e passou a fabricar produtos identificados com as necessidades das pessoas, impulsionando seus negócios e aumentando a dimensão de sua produtividade no comércio e na indústria local.
Na rudimentar oficina, o cobre, a folha de flandres, a lata e o latão eram transformados em lamparinas, pulverizadores, funis, canecas, baldes, conchas, alambiques, e na medida,
recipiente utilizado para medir vinho, presente em todas as casas dos colonos na região.
Em 1907, com o início da fabricação de artigos de montaria, é dado um largo passo e em 1918, com o início da fabricação de talheres, seguindo com peças de cutelaria, pertences de mesa e artigos sacros, a empresa viu-se na contingência de modernizar-se e expandir-se ainda mais. Em 1920, possuía 250 funcionários e ocupava diversas construções no quarteirão em que estava instalada.
Na década de 1930, foi construído o pavilhão sobre as Ruas Os Dezoito do Forte e Borges de Medeiros, com projeto do construtor e arquiteto licenciado Silvio Toigo. Na década seguinte, inaugurou-se o grande edifício de cinco andares com fachada para a Rua Sinimbu. Para esta edificação, houve um projeto inicial elaborado por engenheiro e arquiteto de Porto Alegre, em estilo eclético. Depois, com o mesmo compositivo, Silvio Toigo assumiu a autoria e deu-lhe uma roupagem art-decó.
Ao longo do tempo, o edifício foi submetido a diversos reparos e adaptações, eliminando-se algumas de suas características mais marcantes. A maior delas foi o acréscimo de um sexto andar, que eliminou o contraste entre as linhas verticais e horizontais. O torreão, com o relógio é a outra modificação do projeto ocorrida na década seguinte. Às vinte e quatro horas do dia 31 de dezembro de 1955, a população caxiense teve sua atenção voltada para o novo elemento que marcaria, a partir daquele instante, as horas da cidade que perdia seu ar provinciano e iniciava sua caminhada para tornar-se uma metrópole regional.
Com os novos tempos, novas formas de expansão fizeram-se necessárias. O filho de Abramo, engenheiro José Venzon Eberle, substituiu o pai, falecido ainda em 1945, na condução da empresa. Suas ações deram ênfase ao trabalho técnico com a fabricação de motores elétricos na nova fábrica construída à Rua Plácido de Castro. Outras unidades seguiram-se consolidando o nome da empresa no mercado nacional e internacional.
Os anos 70 foram marcados por muitas mudanças e novas fábricas em São Ciro. Foi uma década de crescimento econômico e a Eberle expandiu sua produção, mas os descendentes diretos de Abramo Eberle não puderam conservar a direção da empresa. Neste momento, em 1985, ela foi adquirida pelo Grupo ZIVI.
É uma importante história e, assim como o palacete foi restaurado e está em pleno uso com nova atividade, espera-se avanços e providências para o prédio da quadra central, pois, ao mesmo tempo que se fala e se vê esta movimentação em torno do patrimônio material do legado da Eberle, há um movimento para preservar também o patrimônio imaterial gerado por ela.
Pesquisas, entrevistas, depoimentos, gravações, filmagens estão em andamento para registrar aquilo que se chama “conhecimento produzido pela Eberle”, o que se pretende com
o projeto em tela.
“A Honra do
Trabalho” é um documentário audiovisual que pretende resgatar memórias do trabalho realizado dentro da Metalúrgica, que alavancou o desenvolvimento da economia e da indústria caxiense. É financiado pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Caxias do Sul e conta com o apoio cultural da Racon Consórcios.
Visa a preservação da memória da metalúrgica e do prédio onde foram forjados uma imensa variedade de produtos, mas principalmente, a
preservação da memória do ofício da Eberle, do trabalho, do labor, que foi quem
deu o destino para inúmeras famílias caxienses, bem como a vocação industrial
para o município.
É a nossa contribuição. É uma pequena
mobilização dentre outras que se formam na cidade com um único e uníssono objetivo: a
garantia da preservação não só desta história, mas sim do conjunto da história de
Caxias do Sul.
É a nossa contribuição para que o patrimônio
imaterial do trabalho da Metalúrgica Eberle seja (re)conhecida também
pelas próximas gerações.
* Texto
produzido
a
partir
de
fragmentos
do
artigo de
opinião
sobre
o
Tombamento
da
Metalúrgica
Abramo
Eberle
produzido
para
a
disciplina
de
Documentação
Patrimonial,
do
projeto
do
documentário
e
de
opinião
pessoal
da
autora.