Guarda-pó Verde


José Clemente Pozenato

Que a antiga metalúrgica Eberle foi uma espécie de berçário de empresas e uma base de sustentação para o crescimento do que seria o pólo metal-mecânico da Serra gaúcha, é já, não só uma convicção, mas uma percepção generalizada. Não só pela afirmação da qualidade dos produtos, não só pelo esforço permanente de inovação a partir de dentro da empresa mesma, mas também pela abertura de mercados e consequente criação de oportunidades: nessas oportunidades abertas é que as novas empresas, gestadas naquela grande incubadora, puderam se estabelecer e também expandir.
Agora, num grupo que decidiu estudar a fundo o patrimônio cultural construído dentro da Eberle, um outro dado, de que já se tinha alguma percepção, começa a tomar corpo: o da qualidade da mão-de-obra construída lá dentro. A disciplina de sempre fazer tudo bem feito, sem nenhuma falha, parece ter sido uma espécie de lema de todos que trabalharam na Eberle, e uma marca que todos eles passaram a carregar pela vida afora. Como afirma um dos herdeiros dessa tradição, quando se tratava de qualidade, "era tolerância zero". Só este capítulo da história mereceria um tratado: como se constituiu essa cultura, quais eram os processos observados, como era assegurado o seu controle, tudo isso é um patrimônio guardado ainda na memória dos que por lá passaram e que merece ser resgatado.
Esse princípio, ou filosofia de ação, quase tornada obsessão, gerou um espírito de corpo entre todos que trabalhavam na metalúrgica. Um espírito de corpo que se manifestava em pelo menos duas dimensões: o cuidado permanente, de cada um, para não errar e assim prejudicar o produto final e, de outro lado, o orgulho de pertencer a um time empenhado em ser o melhor sempre. Assim sendo, trabalhar na Eberle não era apenas ter um emprego. Era ter uma espécie de atestado inquestionável de competência, para ser carregado como um bem precioso.
Esse espírito de corpo persistiu mesmo depois que a Eberle, enquanto Eberle, deixou de existir. Hoje, os que participaram daquele empreendimento histórico, continuam mantendo relações, às vezes como sócios em alguma pequena empresa, outras vezes apenas para confraternizar. Tratava-se de um sentimento tão fundo que um deles, que ocupava um cargo gerencial, foi chamado pelo novo proprietário para programar a desativação de um segmento da empresa. A resposta foi: "nasci para acender luzes, não para apagar". O chefe então fez este comentário: "Tu és um excelente profissional, mas o dia em que tirares o guarda-pó da Eberle vai sair a pele junto". Ele conta e completa, emocionado: "o pior é que saiu mesmo". Mas pelo menos, comenta, não faz como um antigo colega, que até hoje continua usando o mesmo guarda-pó verde da Eberle na sua pequena indústria: Já tem 30 anos, e ele continua usando aquele guarda-pó verde".
Isso é o que fazem as raízes.

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