quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Documentário A Honra do Trabalho: a importância do tombamento da Metalúrgica e a mobilização da sociedade*

                                 Cristina Nora Calcagnotto


Primeira lamparina fabricada por Abramo Eberle em sua funilaria.
Foto: Acervo Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami

Esta é uma história que iniciou em 1997 e que teve uma movimentação tímida por quase dez anos, na dúvida sobre realizar ou não o tombamento da Metalúrgica Eberle.
Depois de seis anos de seu tombamento, sinais de ações que podem desencadear uma nova fase, com a revitalização do prédio e sua utilização para novas atividades e melhor aproveitamento para a preservação deste patrimônio material e imaterial de Caxias do Sul.
O pedido de tombamento surgiu do poder legislativo, por sugestão do vereador Francisco Spiandorello, em 1997. Em 1998, o COMPHAC (Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural de Caxias do Sul), no uso de suas atribuições, emitiu o parecer encaminhando sugestão favorável ao tombamento ao Prefeito Municipal, o que não aconteceu. Em 2 de julho de 2003, o COMPHAC retomou o processo e se manifestou dizendo que a iniciativa tinha que ser do executivo, encaminhando novamente ao Senhor Prefeito. Neste momento, o tombamento também não ocorreu.
Em 27 de julho de 2005, o então Secretário da Cultura e presidente da Comissão Específica e Permanente para Proteção do Patrimônio Histórico e Cultural José Clemente Pozenato, retomou o assunto e reabriu o processo para que fosse efetivado o tombamento do prédio da Metalúrgica Abamo Eberle, porém, o INSS, que tinha penhorado o prédio, manifestou-se contrário ao tombamento alegando prejuízo no valor do imóvel e a não competência do município em afetar bens do estado ou da união.
Somente em 06 de janeiro de 2006, é declarado definitivamente tombado o prédio de propriedade de Monte Magré S/A, pelos seguintes motivos: representação do real significado do processo de industrialização identificando a comunidade caxiense em âmbito regional, estadual, nacional e internacional; localização no contexto urbano como referência de um processo histórico; representação da imagem simbólica que se pretende preservar dos complexos industriais da cidade; a casinha e o relógio da Eberle como elementos indissociáveis da metalúrgica; popularização do conceito do seu significado; e representação do perfil histórico cultural de Caxias do Sul, como um povo que pensa em trabalho.
Vindos de grandes levas de imigrantes, no final do século XIX, os Eberle partiram de Monte Magré, Vicenza, Itália, em 1884, para dedicarem-se à agricultura na Colônia de Caxias. Porém, como não desejavam depender somente da terra, adquiriram em 1886, de Francisco Rossi, uma pequena funilaria que passou a ser conduzida pela matriarca da família, Luigia Eberle. No pequeno prédio de madeira (cuja réplica encontra-se hoje no alto do prédio principal), localizado a poucos metros da praça Dante Alighieri, a senhora Luigia forjou sua identidade como Gigia Bandera (Luiza Funileira) e ensinou Abramo Eberle o ofício de bander.
Dez anos após, em 1896, Abramo, segundo dos filhos de Giuseppe e Luigia, adquiriu da família a funilaria e passou a fabricar produtos identificados com as necessidades das pessoas, impulsionando seus negócios e aumentando a dimensão de sua produtividade no comércio e na indústria local.
Na rudimentar oficina, o cobre, a folha de flandres, a lata e o latão eram transformados em lamparinas, pulverizadores, funis, canecas, baldes, conchas, alambiques, e na medida, recipiente utilizado para medir vinho, presente em todas as casas dos colonos na região.
Em 1907, com o início da fabricação de artigos de montaria, é dado um largo passo e em 1918, com o início da fabricação de talheres, seguindo com peças de cutelaria, pertences de mesa e artigos sacros, a empresa viu-se na contingência de modernizar-se e expandir-se ainda mais. Em 1920, possuía 250 funcionários e ocupava diversas construções no quarteirão em que estava instalada.
Na década de 1930, foi construído o pavilhão sobre as Ruas Os Dezoito do Forte e Borges de Medeiros, com projeto do construtor e arquiteto licenciado Silvio Toigo. Na década seguinte, inaugurou-se o grande edifício de cinco andares com fachada para a Rua Sinimbu. Para esta edificação, houve um projeto inicial elaborado por engenheiro e arquiteto de Porto Alegre, em estilo eclético. Depois, com o mesmo compositivo, Silvio Toigo assumiu a autoria e deu-lhe uma roupagem art-decó.
Ao longo do tempo, o edifício foi submetido a diversos reparos e adaptações, eliminando-se algumas de suas características mais marcantes. A maior delas foi o acréscimo de um sexto andar, que eliminou o contraste entre as linhas verticais e horizontais. O torreão, com o relógio é a outra modificação do projeto ocorrida na década seguinte. Às vinte e quatro horas do dia 31 de dezembro de 1955, a população caxiense teve sua atenção voltada para o novo elemento que marcaria, a partir daquele instante, as horas da cidade que perdia seu ar provinciano e iniciava sua caminhada para tornar-se uma metrópole regional.
Com os novos tempos, novas formas de expansão fizeram-se necessárias. O filho de Abramo, engenheiro José Venzon Eberle, substituiu o pai, falecido ainda em 1945, na condução da empresa. Suas ações deram ênfase ao trabalho técnico com a fabricação de motores elétricos na nova fábrica construída à Rua Plácido de Castro. Outras unidades seguiram-se consolidando o nome da empresa no mercado nacional e internacional.
Os anos 70 foram marcados por muitas mudanças e novas fábricas em São Ciro. Foi uma década de crescimento econômico e a Eberle expandiu sua produção, mas os descendentes diretos de Abramo Eberle não puderam conservar a direção da empresa.  Neste momento, em 1985, ela foi adquirida pelo Grupo ZIVI.
É uma importante história e, assim como o palacete foi restaurado e está em pleno uso com nova atividade, espera-se avanços e providências para o prédio da quadra central, pois, ao mesmo tempo que se fala e se esta movimentação em torno do patrimônio material do legado da Eberle, há um movimento para preservar também o patrimônio imaterial gerado por ela.
Pesquisas, entrevistas, depoimentos, gravações, filmagens estão em andamento para registrar aquilo que se chamaconhecimento produzido pela Eberle”, o que se pretende com o projeto em tela.
“A Honra do Trabalho” é um documentário audiovisual que pretende resgatar memórias do trabalho realizado dentro da Metalúrgica, que alavancou o desenvolvimento da economia e da indústria caxiense. É financiado pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Caxias do Sul e conta com o apoio cultural da Racon Consórcios.
Visa a preservação da memória da metalúrgica e do prédio onde foram forjados uma imensa variedade de produtos, mas principalmente, a preservação da memória do ofício da Eberle, do trabalho, do labor, que foi quem deu o destino para inúmeras famílias caxienses, bem como a vocação industrial para o município.
É a nossa contribuição. É uma pequena mobilização dentre outras que se formam na cidade com um único e uníssono objetivo: a garantia da preservação não só desta história, mas sim do conjunto da história de Caxias do Sul.
É a nossa contribuição para que o patrimônio imaterial do trabalho da Metalúrgica Eberle seja (re)conhecida também pelas próximas gerações.

* Texto produzido a partir de fragmentos do artigo de opinião sobre o Tombamento da Metalúrgica Abramo Eberle produzido para a disciplina de Documentação Patrimonial, do projeto do documentário e de opinião pessoal da autora.

sábado, 19 de janeiro de 2013

Patrimônio Industrial

Elisabete Souza Silva

Adquirido recentemente por um grupo de investidores caxienses, o prédio da antiga Metalúrgica Abramo Eberle será transformado num centro comercial. Tombado em janeiro de 2006 pelo patrimônio histórico municipal, o conjunto de prédios em alvenaria, construídos entre os anos de 1930 a 1950, onde se destaca aquele que tem a fachada para a Rua Sinimbu,  é um autêntico exemplar da arquitetura modernista industrial e elemento integrante da paisagem urbana, da história e da identidade de Caxias do Sul. Atualmente, parte dos prédios abrigam um estacionamento, uma loja de brinquedos e a Faculdade Inovação, enquanto o restante está abandonado há mais de 10 anos. 
Os edifícios do patrimônio industrial são potencialmente “reutilizáveis” pelas suas características espaciais, a amplitude e a relativa versatilidade, pois são facilmente adaptáveis e se prestam à múltiplos usos. O potencial especulativo que reside no valor imobiliário dos terrenos, geralmente em posições estratégicas e dotadas de ampla infraestrutura, fazem com que, em muitos casos, as edificações sejam encaradas principalmente pelo potencial econômico, muito mais que pelo potencial sócio-cultural. Esses fatores acabam por levar a um afastamento do debate do foro cultural, que de início motiva a preservação, para um âmbito diverso que assume proporções desequilibradas, de pressões econômicas, utilitárias e políticas, que não podem ser desconsideradas na preservação, mas também não podem ser as únicas e preponderantes.
O reconhecimento de bens industriais como patrimônio a ser preservado é importante para a construção da memória social e de identidade local, particularmente da memória do trabalho, por isso, pesquisadores têm se empenhado em mostrar como os bens materiais e imateriais produzidos pelas indústrias são importantes para se entender, não só a dinâmica da produção material, mas também as relações históricas e sociais que se desenvolveram em torno delas, possibilitando a constituição de uma representação que sintetize materialmente o processo histórico, fator essencial para fornecer ao cidadão uma forma de perceber o passado como um tempo integrante de sua vida.
Mesmo com o avanço nos debates, a preservação do patrimônio industrial pelos órgãos responsáveis, tanto nas esferas municipal, estadual e federal, ainda é incipiente no Brasil e os órgãos de proteção ao patrimônio não conseguem se antecipar à destruição desses bens. Geralmente quando começam a ser estudados já estão abandonados (por falta de função, falência ou longos processos judiciais), sem maquinaria, com muitas modificações sofridas ao longo dos anos e nem sempre documentadas. Mas é importante não confundir preservação com conservação dos bens culturais tombados, muitos estão preservados, mas em condições de conservação muito precárias ou em ruínas.
Atribuir novos usos à edificações tombadas é um importante recurso para favorecer a conservação, pois o abandono e a falta de uma destinação útil à sociedade são as principais causas da degradação de um bem, mas, a nova função deverá ser compatível com as características do monumento e permitir a permanência de seus atributos históricos, estéticos e memoriais, elementos que efetivamente o configuram como patrimônio cultural. Preservação, conservação e restauração devem, por definição, estar vinculadas a ações culturais. Assim, questões de ordem prática, de uso e de exploração econômica, nunca seriam determinantes para decisões de preservação. 
A grande questão não é tanto a destinação, mas como é feita essa adaptação para o novo uso. As intervenções têm que ser feitas mediante um bom e detalhado projeto de arquitetura que leve em conta as especificidades do edifício antigo, que deve ser o foco central e não um mero "detalhe pitoresco". Os instrumentos teórico-metodológicos e técnico-operacionais da restauração que são aplicáveis na prática, tem o objetivo de fazer com que os bens sejam usufruídos no presente e transmitidos ao futuro, com pleno respeito pelos seus aspectos materiais, documentais, pelas suas várias estratificações e pelas próprias marcas da passagem do tempo, sem desnaturá-los nem falseá-los, visto que alguns edifícios nada revelam ao cidadão comum sobre a antiga função e para que os bens culturais possam continuar a serem efetivos e fidedignos suportes da memória coletiva.
Dessa forma, o patrimônio industrial vem sendo objeto de adaptações a diversos usos: como escritórios, restaurantes, mercados, centros culturais, centros esportivos, hotéis, habitações, dentre outros, demonstrando uma intensa viabilidade econômica. Porém essa adaptação deve ser uma justaposição e jamais como eliminação ou substituição de documentos históricos para forçar uma nova realidade totalmente diversa daquilo que lá existe. Deve sempre ser ato de reinterpretação do presente, de maneira socialmente e culturalmente responsável, uma renovada forma de se relacionar com um monumento histórico, voltado para sua transmissão para as próximas gerações, uma ação que mantém sempre o futuro no horizonte de suas reflexões. 

Abaixo destaco obras que ilustram a reutilização de antigos edifícios industriais:

Gasômetro de Viena 
Foi construído um grande shopping center que atravessa os dois primeiros níveis dos quatro gasômetros, 600 apartamentos e cerca de 250 residências estudantis, combinados com escritórios, repartições da prefeitura, garagens, um complexo de cinemas, além de uma grande arena para shows com capacidade para 3000 pessoas no subsolo de um dos cilindros.


Gasômetro de Viena Fonte: Google


Tate Modern 
Os arquitetos utilizaram o antigo prédio da estação de energia elétrica Bankside Power Station como base para a construção da Tate Gallery, que serviria entre outros motivos para abrigar seu enorme acervo. Todos os maquinários foram retirados e foram feitas várias demolições internas para abrigar a nova função.



Tate Modern Fonte: Google

SESC Pompéia
Os galpões da antiga Fábrica de Tambores da empresa alemã Mauser & Cia, foram adaptados para atividades culturais como exposições, biblioteca, área de leitura, estar, jogos, salas para oficinas, restaurante/casa de shows e teatro. Posteriormente foi construído o complexo esportivo e um grande cilindro de setenta metros de altura, a torre da caixa d’água, em alusão à chaminé que foi demolida pelo próprio SESC.


SESC Pompéia Fonte: Google

Bangu Shopping
A instalação da antiga Fábrica de Tecidos Bangu, com terreno aproximado de 140.000 m² deu lugar a construção do Shopping Bangu, com espaço para 200 lojas de diversos tamanhos, praças de alimentação com cerca de 1000 lugares e estacionamento para 2.500 vagas, além de um teatro e um museu.


Bangu Shopping Fonte: Google

Moinho da Estação
A área que abrigou o antigo Moinho Sul-Brasileiro abriga um centro de lazer, cultura e serviços, composto de 34 salas, onde funcionam bares, escolas de dança, de idiomas, ateliês de fotografia, design e arquitetura, comércio de arte e artesanato, entre outros.


Moinho da Estação Foto: Elisabete Souza